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Do underground ao algoritmo: como os looks das pistas brasileiras evoluíram com a cena eletrônica
Entre paetês, all black e pelúcia, o visual raver no Brasil sempre foi mais do que estilo — é manifesto.
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1 dia atrásem
Por
Bruno Artois
Conteúdo Autoral – De Augusta ao Tomorrowland: uma história que mistura liberdade, vinil, neon e muita identidade cultural. Falar sobre a história da música eletrônica no Brasil sem olhar para o que se veste na pista é deixar metade da narrativa de fora. Os looks sempre foram muito mais que estilo — são códigos sociais, políticos, afetivos. Do subsolo da Rua Augusta aos feeds de festivais globais, o visual raver brasileiro traduz liberdade, provocação e pertencimento.
Mais do que estética, é linguagem. Mais do que roupa, é símbolo.
Por trás de cada óculos espelhado, cada pochete holográfica, cada salto plataforma, existe uma história de expressão, liberdade e contracultura. E se o movimento raver nasceu no fim dos anos 80 lá fora, foi em território brasileiro que ele ganhou alma própria, misturando influências urbanas, tribos locais, moda de rua e muita atitude.
Ao longo das décadas, os looks de rave no Brasil foram muito além da estética. Eles acompanharam a evolução das pistas, refletiram contextos sociais, abraçaram minorias, desafiaram padrões e inspiraram coleções de estilistas. Das baladas secretas na Rua Augusta aos superfestivais com lasers e pirotecnia, cada fase deixou um traço marcante no nosso vestir. Neste artigo, vamos explorar essa evolução estética e simbólica, revivendo as peças, os clubs, os nomes e os movimentos que transformaram o visual dos ravers brasileiros em uma forma de manifestação cultural.

Da Rua Augusta às primeiras luzes: o nascimento da moda rave no Brasil
O Brasil dos anos 90 vivia uma efervescência cultural, e São Paulo era o centro dessa transformação. Nos bastidores de uma cidade ainda marcada pela repressão e conservadorismo, surgia um movimento underground que usava a moda como linguagem. Em clubes como o Nation, Massivo e o lendário Hell’s Club, localizados nos arredores da Rua Augusta, gays, drag queens, clubbers e outsiders de toda sorte se reuniam para viver sua verdade na pista de dança — com música, performance e estilo.
Alexandre Herchcovitch, Johnny Luxo, Silvetty Montilla e o DJ Mauro Borges eram presenças constantes, tanto no som quanto na imagem. A moda era uma forma de resistência, com inspirações diretas no movimento club kid de Nova York. Valia tudo: paetês, plumas, vinil, plataformas, pelúcias, perucas, maquiagem exagerada e peças customizadas. Era uma época em que o look falava tanto quanto o setlist.

A jornalista Erika Palomino, que cobria essa cena em sua coluna “Noite Ilustrada” na Folha de São Paulo, foi uma das primeiras a documentar esse fenômeno. No livro Babado Forte, ela relata como o Hell’s Club representou uma revolução de comportamento. A pista era palco, e se vestir para dançar era um ato político, especialmente para as minorias marginalizadas da época.
Essa fase inicial deu origem à cultura clubber brasileira — uma fusão de música eletrônica, arte performática e liberdade de gênero. E foi a partir dali que o visual rave começou a criar raízes por aqui, lançando as primeiras sementes do que seria um dos estilos mais ousados e diversos do país.

Cybermanos, techno e a moda do exagero: a virada do milênio nas pistas
Com o final dos anos 90 e início dos 2000, a cena eletrônica brasileira começou a expandir suas fronteiras — tanto musical quanto visualmente. Se antes os clubes eram redutos secretos de uma elite alternativa, agora as festas ganhavam ruas, galpões e até shoppings. E com elas, surgiam novas tribos, novas músicas e novos looks.
Foi nesse contexto que surgiram os cybermanos — um grupo que misturava a cultura clubber com referências do cyberpunk e da estética industrial. O som era o techno pesado e o big beat de grupos como The Prodigy, Chemical Brothers e Underworld. O visual acompanhava: calças de vinil, peças camufladas, coturnos, moicanos, piercings, muito preto, correntes e elementos metálicos. A vibe era de resistência urbana, com forte carga estética e política.

Eventos como o Mercado Mundo Mix ajudaram a popularizar essa nova estética. Além de reunir os principais DJs da cena, o festival virou referência também pela presença de marcas como Chilli Beans, Cavalera, A Mulher do Padre e Zapping, que apostavam em coleções voltadas para esse público — com muita ousadia, atitude e mistura de texturas.

Enquanto isso, a música eletrônica ganhava força no mainstream com o surgimento de festivais como o Skol Beats, que entre 2000 e 2007 trouxe nomes internacionais para palcos brasileiros e virou passarela para uma geração que misturava moda urbana com toques de futurismo e sensualidade.
Mini saias, óculos espelhados, piercings, tatuagens, tecidos neon, telas, transparências e uma forte dose de hedonismo definiam o look da época. O visual era tão importante quanto a experiência sonora — e quem ousasse mais, ganhava destaque nas câmeras dos fotógrafos de festa e nas primeiras redes sociais que surgiam.
A estética dos anos 2000 marcou o início da era da imagem digital na cena eletrônica. Ser visto e registrado passou a fazer parte da experiência clubber — e a roupa era o primeiro grito de quem queria ser lembrado.

Do neon ao new rave: a explosão do estilo no Clube Glória
No meio dos anos 2000, enquanto o mainstream da música eletrônica bombava com o EDM e seus superfestivais, um novo sopro de criatividade surgia no underground paulistano. Impulsionado por influências do indie rock, electroclash e electro house, o movimento new rave chegou misturando referências retrô dos anos 80 com a atitude irreverente dos novos tempos digitais.
O epicentro dessa explosão criativa era o Clube Glória, na Bela Vista, que reunia mensalmente uma turma conectada, estilosa e digitalmente ativa. Lá nascia um novo capítulo na história dos looks ravers no Brasil, marcado por headbands, óculos wayfarer, camisetas estampadas com ícones pop, shorts coloridos, sneakers vintage e muito neon.
A festa Vai!, que acontecia religiosamente uma vez por mês, virou símbolo dessa era. A cada edição, um novo tema ditava o dresscode — e os frequentadores levavam a sério. Não era apenas sobre se vestir bem, mas sobre se destacar, ganhar cliques dos fotógrafos da noite e ter sua imagem eternizada na world wide web (vulgo web), que começava a dominar o comportamento jovem.

Foi nesse cenário que os brechós ganharam protagonismo. Roupas vintage garimpadas em bazares, feiras e lojinhas escondidas viraram a nova obsessão fashion. Quanto mais inusitada, barata ou improvável fosse a peça — melhor. Jaquetas esportivas anos 80, camisetas compradas em Nova York por 10 dólares, acessórios kitsch, plataformas coloridas e até fantasias improvisadas faziam parte do arsenal criativo da pista.
Ídolos como Justice, Daft Punk, Kanye West, Lady Gaga e os próprios clubbers locais inspiravam os looks com seus videoclipes, capas de disco e estilo pessoal. A conexão entre música e imagem nunca foi tão direta — e a autoexpressão através da moda se tornou central na cultura de pista dessa geração.
Era o nascimento de uma estética que misturava a nostalgia dos anos 80 com a liberdade dos anos 2000, tudo filtrado pela ótica da internet. Um momento em que a moda rave brasileira flertava com o pop, o kitsch, o digital e o afetivo — e os looks viravam memes, avatares, hashtags e lembranças inesquecíveis.

A ascensão do EDM e a era da fantasia performática
Na década de 2010, a música eletrônica ultrapassou todas as barreiras e se consolidou como o maior movimento musical global. O EDM (Electronic Dance Music), com seus drops explosivos, efeitos visuais e pirotecnias coreografadas, dominou festivais em todos os continentes — e o Brasil não ficou de fora dessa onda.
Foi o nascimento da era dos superfestivais, com experiências sensoriais completas. Eventos como Tomorrowland, XXXperience, Ultra Brasil e o ressurgido Skol Beats (com nova proposta e identidade visual) criaram verdadeiros parques temáticos da música, onde o palco era espetáculo — e o público, parte do show.
Nesse cenário, os looks ravers se tornaram cada vez mais teatrais, sensuais e lúdicos. A palavra de ordem era imaginação — com espaço para todo tipo de expressão. Era comum ver combinações que uniam mini saias, biquínis, croppeds brilhantes, tops com strass, além de óculos espelhados, bonés neon, toucas de bichinho, chokers, meias arrastão, tatuagens falsas, plumas, paetês e claro, as onipresentes botas de pelúcia de cano alto.

Entre as mulheres, o visual inspirava-se em um mix de festival fashion, cultura pop e liberdade sexual. As coroas de flores, popularizadas por Coachella, conviviam com peças que pareciam saídas de um festival psicodélico em Ibiza. Já entre os homens, a tendência era o despojamento: muitos sem camisa, usando apenas bermudas esportivas, óculos excêntricos e acessórios neon. A androginia ganhava mais espaço, assim como os looks genderless e os trajes de fantasia — como se cada raver estivesse encarnando um personagem de uma realidade paralela.
A estética do tie-dye, dos holográficos e dos materiais plásticos translúcidos virou febre. E mais uma vez, a roupa se tornava um passaporte visual: quem estivesse na pista precisava ser notado. Afinal, com o boom das selfies, vídeos de recap e stories do instragram, o look de rave se tornava também um conteúdo de impacto.
Nesse novo capítulo da moda rave brasileira, o corpo virou tela e a roupa, uma extensão da identidade digital. Estar estiloso na pista era também marcar presença na timeline — e isso mudou para sempre a forma como os jovens se vestiam para os festivais.

Do techno ao normcore: o retorno ao underground e a moda da resistência
Se os anos 2010 foram marcados pela explosão global do EDM e a glorificação dos superfestivais, uma outra cena pulsava com força renovada nos clubes alternativos de São Paulo: o renascimento do techno underground. E com ele, um novo visual — mais sombrio, industrial e conceitual — começou a dominar as pistas. Era o início da era normcore rave.
Influenciado pelo espírito minimalista de Berlim, o look do raver paulistano mergulhou no preto absoluto, nas texturas industriais e em uma estética que misturava apocalipse urbano, futurismo distópico e androgenia. O objetivo já não era ser fotografado — era pertencer à tribo certa, falar a linguagem da pista.
Jaquetas oversized, macacões, pochetes atravessadas, botas pesadas de cano alto, óculos escuros noturnos, argolas, correntes, cabelos raspados ou coloridos e maquiagem com influências alienígenas e pós-punk marcaram essa nova era. O brilho e o neon deram lugar ao acetinado fosco, ao vinil preto e ao tecido tecnológico.

Coletivos como o Mamba Negra, Carlos Capslock, e festas como Tantsa e ODD se tornaram redutos dessa estética. Mais do que lugares para dançar, eram espaços de experimentação artística, liberdade de gênero e afirmação de identidade. Muitos dos performers e frequentadores dessa cena também eram figuras da moda, artistas visuais e stylists que viam na noite um espaço criativo de vanguarda.
A androginia se intensificou e os looks unissex ganharam destaque, misturando peças esportivas de marcas como Adidas, Puma e Reebok com elementos industriais e acessórios feitos à mão. Era o nascimento do que se convencionou chamar de techno-core: uma mistura de streetwear, funcionalidade e rebeldia visual.
Ao contrário da estética dos grandes festivais, que apostava na fantasia solar e no exagero colorido, o visual underground carregava um discurso. Em tempos de conservadorismo crescente, vestir-se com peso, ambiguidade e conceito se tornava uma forma de resistência.
A pista voltava a ser um lugar de protesto silencioso — onde a roupa era escudo, armadura e manifesto.

O que esperar do futuro?
Se tem uma coisa que a história já provou é que os looks de rave no Brasil nunca foram só ornamento. Eles sempre foram manifestos visuais, cartas de apresentação e formas de resistência. Em cada fase, o que se veste na pista de dança diz tanto sobre o tempo em que vivemos quanto a música que nos move.
Hoje, vemos uma geração que mistura passado, presente e futuro nos seus visuais. A estética dos clubbers dos anos 90 se encontra com o conforto esportivo do techwear, os brilhos do EDM convivem com a crueza do underground berlinense, e o brechó vintage divide espaço com a estampa digital. É uma era em que identidade, política e moda se sobrepõem nas pistas, nas redes sociais e nas vitrines.
E o que vem por aí? O futuro dos looks ravers provavelmente continuará sendo imprevisível, fluido e múltiplo. Mas uma coisa é certa: enquanto houver música, haverá corpos dançantes querendo dizer algo com o que vestem.
Se você está planejando seu próximo rolê — seja num after intimista, num club de vanguarda ou nos grandes festivais ao ar livre — lembre-se: mais do que seguir tendência, vestir-se para a pista é fazer parte de um movimento.
Porque na rave, a moda sempre foi sobre pertencimento. E isso, nenhuma tendência supera.
Encontrei minha paixão pela música eletrônica na infância e sonho em viajar pelo mundo fazendo o que amo e conhecendo novas culturas.

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